Solano Brum
O Sargento da Polícia Militar, destacado num dos muitos Municípios do Grande Estado de Minas Gerais, ficou sabendo, ainda em casa, do acontecido, lá pelos anos de mil novecentos e vinte e dois. Chegou, pela manhã, atendendo ao chamado de seu Superior Hierárquico, Capitão Carmelo, à Cadeia Pública, a qual abrigava, além de presos de alta periculosidade, condenados a mais de dez anos, os quais, não saiam de suas celas nem para tomar banho de sol, enquanto que, outros, não tão perigosos, passavam o dia entre os afazeres como limpeza do interior do Presídio ou cuidando da extensa horta nos fundos da Cadeia, como terapia de ocupação; todavia, à tardinha, voltavam para as dependências carcerarias; porém, na parte "limpesa", bem diferentes das demais.
Nada tirava a paz, tampouco desviava a rotina do Destacamento, senão, naquele domingo, pela manhã, a missão recebida. Inteirou-se dos fatos; mandou buscar um Escrivão e organizou um pelotão de seis homens e um Cabo de esquadra. Todos sob suas ordens montaram em suas mulas e partiram em direção ao acontecido, guiados pelo mesmo jovem que lhe trouxera a notícia.
Muito distante daquela cidade, embrenhada nos cantões do Município, dentre outras, havia duas famílias, proprietárias de sítios enormes, divididos entre si, desde a sua emancipação. Entre uma e outra, distâncias de três horas a cavalo, porém, de charrete, bem mais, devido às precárias condições da estrada, mas que, ano após ano, se alargava pela necessidade aos transportes dos alimentos que eram vendidos na Cidade mais próxima.
Mas, para chegarem lá, foi preciso enfrentar seis horas com apenas dois descanso; um para alimentar e descansar os animais e outro, para uma rápida refeição, de queijo, batata doce e água fresca.
O fato deu-se na sexta-feira à noite; quando da chegada de um jovem, com seu cavalo baio a casa do Tio, irmão de sua Mãe. Vivia lançando olhares para sua prima. O namoro era proibido, dado aos comentários sobre “nascimento de filhos com defeitos congênitos ou natimorto”, todavia, nada muda o pensamento de quem ama. Chegou a casa pelas dezesseis horas, para passar aquela noite, o sábado e voltar no domingo, à tarde. Estavam ansiando a festa Natalina daquele ano e para tanto, deveriam planejar as caprichadas iguarias. Foi recebido com alegria; participou naquela noite de uma fogueira, comeu e bebeu junto com os demais, mas, a Mãe, ficou de olho na primeira das três meninas daquela casa, sem nenhum filho homem para comandá-las na falta do Pai. Todas tinham os nomes das três estrelas que brilham no céu, no Cinturão de Órion; Mintaka, com dezesseis anos, que já trazia preocupações à mãe, Alnilam, com doze e Alnitak com oito anos. O pai tinha bons conhecimentos sobre astrologia que lhe fora passado por um Senhor que se hospedara naquela casa por três meses, quando ele tinha apenas dezoito anos. Falou desse Cinturão, mostrou-lhe as fotos e ele ficou encantado. Explicou-lhe, na época, que, Órion, fora um caçador; que, seu cinturão, ostentava três pedras maravilhosas que emitiam luzes as quais encantavam quaisquer das caças que as olhava. " -Daí, o lançamento da fecha era certeiro!" Comentava e concluia: " -Por isso, era chamado de o mais hábil caçador!"
Ele ouvia as histórias e se encantava. Após a partida do hóspede, sempre nas noites estreladas, ele ficava horas e horas olhando-as. Então, jurou que, ao se casar, daria a primeira filha o nome de Mintaka por ser a mais cheia de luz a olho nu e que as demais teriam os nomes seguintes. Assim aconteceu.
Foram nascendo e ele registrando e espantando o Tabelião.
Pois bem. Quando anoiteceu, Mintaka ficou as escondidinhas com seu primo Anacleto; porém, sua Mãe desconfiou e resolveu fazer uns bolinhos de chuva para aquecer o frio, que seriam saboreados com um bom café, a luz dos lampiões, antes de se deitarem; todavia, mandou que ela fosse aos pés das roseiras nos fundos do quintal, para certificar-se sobre a presença de formigas desfolhando-as. Ela voltou com a notícia.
- Estão cheias, mamãe!
Era costume a Mãe sair à caça do buraco do formigueiro, com uma lamparina e uma lata de Fornecida Tatu. Todavia, a menina pensava que sua Mãe sairia sem os demais da casa, mas, logo ficou sabendo: Ela chamou justamente os dois. Saíram andando, no escuro, com o luminar das lamparinas, e, quando encontraram o buraco, a Mãe destapou a lata e começou com espirros fortes e constantes. Foi porque, o displicente abrir da lata, fez com que o gás penetrasse em suas narinas, pelo leve passar do vento; espirrou umas dez vezes naquele instante. Entao veio-lhe a mente os cuidados com que lhe foram passados por quem lhe havia vendido o produto, na ocasião da compra. Colocou vagarosamente três colheradas do produto venenoso no buraco e em seguida, despejou água por sobre ele. Voltaram para casa, conscientes de que haviam exterminado aquele formigueiro que deixavam as roseiras sem folhas da noite para o dia e delas, passariam para os pés de laranjas e Mexericas. Todavia, o propósito de fazer os bolinhos não foi descartado. Preocupada em dar continuidade ao que seria feito antes do trabalho com as formigas, deixou a lata do veneno sobre o fogão de lenha e começou a despejar numa gamela, uma xícara de leite morno, dois ovos inteiros e uma xícara de farinha de trigo; e, enquanto batia, era acompanhada pela menina Alnilam que não a deixava em paz, querendo ser, como sempre, útil em alguma coisa. E foi por isso que ela pediu-lhe que, acrescentasse o último ingrediente à massa, o bicarbonato de sódio, que estava dentro de uma lata e que, a mesma estava na prateleira. Virou as costas e foi buscar a banha de porco para a fritura. Era costumeiro aquele pequeno serviço feito pela menina, mas, a pouca luz no ambiente e sem saber ler, a fez ir naquela instante, direto à lata que estava sobre o fogão; destapou, despejou duas colheres sobre a massa, fechou-a e esperou por sua mãe. Ao voltar, a menina já havia cumprido o mandado. A labareda estava alta e a panela de barro foi colocada sobre o buraco da trempe. Em seguida, começou a fritura, não se esquecendo de mandar a menina sair de perto do fogão. Depois de fritos, enquanto todos estavam sentados em volta da mesa, sob um lampião que iluminava metade da sala, ela chegou com os bolinhos envolvidos no açúcar mascavo e canela. Todos comeram, inclusive, ela.
Todavia, deu falta da menina Mintaka e seu pretenso namoradinho. Já havia comido uns três bolinhos deliciosos e sentiu-se mal. Gritou pelos dois, mas, não responderam. Estavam felizes, fazendo juras de amor as quais dispensavam as preocupações sobre comer ou não os bolinhos deliciosos ou mesmo atender os gritos da genitora. Já os três peões da Sitio começaram a passar mal e sentaram-se na varanda, enquanto o frio os faziam bater o queixo. Mas, não era a canada fria daquela hora. Era um mal súbito que os havia tomado e os demais da casa já estavam caídos no chão, pela tontura repetina. Instantes depois, todos morriam, inclusive o cachorro que foi vomitar no lado de fora.
Depois de alguns minutos, o casal, sem serem incomodados com outros gritos, desconfiados, resolveram adentrar a sala e o susto foi grande. Encontraram os corpos pelo chão, ainda quentes. Mintaka gritou e agarrou-se a Anagleto, horrorizada pelo que via. Ele tentou sacudir os corpos que espumavam pela boca, mas, foi inútil.
Querendo galopar até sua casa mas, sendo impedido pela moça, que não queria ficar naquele ambiente dantesco, deixou que o cavalo fosse sozinho. Quando amanheceu o dia, seus Pais viram o cavalo na baia e desconfiaram. Rumaram para lá e encontraram a tragédia. No mesmo sábado, Anacleto, que já fizera outras vezes o mesmo itinerário, incumbiu-se de avisar a Polícia. Do Prédio da Cadeia Pública, a notícia foi passada ao Sargento, já ao entardecer e quando clareou o dia, ele e os demais partiram com Anacleto.
Assim que o Sargento chegou, percorrendo os olhos sobre o fogão, encontrou a lata de veneno a qual tinha no rótulo uma caveira e dois ossos cruzados escrito abaixo: VENENO.
Deduziu que, em vez de usar o Bicarbonato, alguém havia adicionado o veneno. Somente os dois ficaram para contar a triste história, sendo salvos pelo amor que os unira, sem nenhum filho, durante oitenta anos.
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AGRADECIMENTO
Solano Brum
As três primeiras flores
- Poetisas desse Recanto
Nas páginas dos horrores,
Leram Dantesco conto.
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