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SOLANO BRUM,O PÁSSARO CANTOR
AMOR PERFEITO
Textos

O MERECIDO PERDÃO

O MERECIDO PERDÃO


                              Uma história de amor - Solano Brum


Cresceram um olhando para a cara do outro. Estudaram no mesmo Grupo Escolar o que lhes dava a oportunidade de saírem juntos. Era assim:
Teriam que chegar ao Grupo Escolar às onze e meia, por ai. Ficavam esperando o relógio bater as onze horas para então, saírem porta em fora, e se juntarem a seguir. Caminhavam e conversavam coisas banais; coisas do colégio ou até mesmo sobre o futuro que lhes parecia um bicho de sete cabeças mas que estavam dispostos a enfrentá-lo. Seu nome era Golber e era franzino e ela, Marilene, já uma mocinha. Não sabia porque as meninas cresciam mais rapidamente que os meninos – tirava por ele. Ela, já se empolgava, aos treze anos, com dois pequenos caroços que por algum descuido de sua mãe, se lhe afloravam mesmo tendo a combinação por debaixo da blusa. Foi somente uma vez. Ele percebeu e depois, ela passou a usar um sutiã discreto, de menina moça. Depois, sem que percebessem o natural do desenvolvimento físico, eles dobraram de tamanho, e ai, era um sutiã de verdade. Enquanto era um frangote, ela já era uma mocinha. E até nisso ele ficava descontente. Completaram a quinta série juntos e depois, enfrentaram mais um ano – A famosa Admissão ao Ginásio.

Foi assim que ambos ficaram sabendo sobre o Conto a respeito de uma família, cuja mãe, cuidava de um menininho entrevado; que, além de pobres, sua mãe dera abrigo por algumas horas a um mendigo, o qual, porventura, vendo o menino sobre uma rota enxerga, fez comentários sobre Jesus. Segundo ele, “o doce Rabi cura os males mais antigos...” Todavia, refutava ser impossível encontrá-Lo; que, Ele havia se despedido de seus discípulos e subido aos Céus... Coisas assim...” Ele o havia visto, porém, ela, como poderia trazê-Lo à tão longínquo lugar para curar um entrevadinho como seu filho, onde a pobreza cercava-os dentro das quatro paredes mal caiadas; e, mesmo porque, pela atenção ao menino e a incerteza da procura, se o achasse, como convenceria esse Doce Rabi, vindo de tão longínquas plagas a entrar no humilde casebre, mesmo que fosse para beber um gole d'água? Era “O SUAVE MILAGRE do famoso Escritor Português, Eça de Queiroz.
“A tarde caia. O mendigo apanhou o seu bordão, desceu pelo duro trilho entre a urze e a rocha...”,
… e seguia a leitura até finalizar com a chegada do Iluminado, à presença do menino!

O autor do Livro Escolar, tomara o último parágrafo da História, para o exercício de Interpretação de Texto dos alunos. Mas, se aquele pedacinho de texto já os emocionava, quanto mais, toda a história que Golber conseguiu ler posteriormente.
Pois bem, além das matérias sobre português, matemática e história, havia também as matérias Latim e o Francês.
Viviam se encontrando diariamente; iam ao cinema, às matinês domingos pela manhã e riam muito dos seriados do Zorro e Capitão Marvel. Imagina, um homem que gritando “Chazãan” se transforma num outro que era imune a todo tipo de encrenca, inclusive de balas de revolveres e que podia até voar?
Era divertido. Tudo isso, até terminarem o Ginásio. Antes, porém, ela completou quinze anos. Uma festinha de debutante a encheu de orgulho. Vestiu branco, sapatos novos, uma linda flor nos cabelos e seu pai dançou uma valsa com ela. Golber ficou de fora. Ninguém o convidara! De sua casa ele via o movimento, ouvia gritos de alegria, a música, o parabéns e foi se deitar, convencido de que era realmente um desprezado – tanto por sua família, quanto por ela. Talvez ela não fosse tão culpada assim, era a única filha e sua opinião, de nada valia. Talvez quisesse até convidá-lo... e antes de dormir, a perdoou. No outro dia, ela veio trazer-lhe um pedaço de bolo. Olhou a fatia sobre o guardanapo e desejou atirá-lo longe. Mas, por tanto amá-la, fechou os olhos, deu-lhe um beijo de felicidades e ela sorriu chamando-o de “Tolo”!
Parou com os estudos e ela continuou. Tudo terminou quando completaram os floridos dezoito anos. Não era sua namorada, mas, ele costumava beijar-lhe as faces e ela sorria chamando-o de “Tolo”. Nunca soube o porquê, mas aproveitava para tornar a ouvir e a beijar de novo. Na verdade, ele era apaixonado por ela! Só que, por se tratar de uma família rica, eles o excluíam sempre que podiam. O pai tinha um carro e vangloriava-se de trabalhar numa repartição Federal. Ganhava bem – Depois ficou sabendo que era na Receita Federal – e que por isso, o olhava de esguelha e vendo seu interesse por ela, passou a proibir a menina aos constantes e costumeiros encontros. Ela, por sua vez, após frequentar um bom curso como reforço escolar, prestou concurso para o mesmo trabalho do Pai e por incrível que lhe pareceu, ela havia passado.
Até ser chamado para Servir o Exército, ficou desempregado. Muito emocionado, recebeu um telegrama e se apresentou, todo alegre, pensando que poderia ficar por lá... Que nada. Assim que completara um ano, foi obrigado a dar baixa e voltar a ficar na fila dos desempregados. Se seu pai queria vê-la distante dele, piorou ainda mais as coisas pro seu lado; ela fora transferida para outro Estado e gabava-se de ser cortejada por pretendentes ao seu nível de cultura e classe social.
Passaram-se dois anos e sem conseguir revê-la, foi para o Rio de Janeiro e prestou concurso para a Polícia Militar – ainda do Carlos Lacerda, na famosa Guanabara e por lá ficou.
Um dia, ele a encontrou na rua. Sim... Pareceu-lhe coisa do destino! Ela, mais linda do que nunca, ainda solteira, com um belo visual, e ele, fardado, porque havia saído à rua para buscar uma Pública forma e levá-la ao Tabelião. Ela estranhou por vê-lo usando uma farda da Polícia. Apenas um soldado, enquanto que, ouvindo por esta ou aquela boca, havia prestado provas para Oficial.
- Não... Respondeu-lhe.
- Então... - Pasmada, completou - Falaram-me tão bem sobre sua carreira militar... E o que vejo, você, um soldado raso e da Polícia!
- Não é bem assim Lena. Já tenho dois anos de serviços prestados e logo, logo, hei de prestar exames para receber as divisas de Cabo!
- Cabo? Você não acha, meu amigo, que é pouco para você?
- É o que consegui, Marilena... Estava difícil o emprego onde morávamos; não fiz cursos de reforços como você e você saiu para longe, fiquei triste! Comentou tentando esconder o esforço sobre a humilhação e para não sentir-se mais humilhado.
- Eu também fiquei triste por deixá-lo! Mas que fazer? Vislumbrávamos o futuro, pois não? Olha, eu trabalho ali, naquele prédio – e escreveu num pedacinho de papel o telefone, e, ao passá-lo às mãos dele sorriu e mandou que a procurasse, mas, fez severas recomendações – Não abuse muito; tenho pouco tempo para atender quem quer que seja enquanto trabalho! Nem bem terminou a frase, esticou o rosto, como sempre o fazia, exigindo dele aquele beijo na face, deixando escapar o quão lhe era favorável ser Mulher – Ela podia dar-lhe o rosto para beijar, mas ele, jamais exigiria tal. Ele, movido por aquele encontro casual e que lhe trouxera de volta a esperança dos sonhos de ter ao seu lado quem ele tanto amava, vendo aquele rosto como o de outrora, roçou os lábios como um osculo - não da paz e sim de amor – e a viu, nesse momento sublime, afastar-se rapidamente. Depois o olhou de frente e lhe disse: “Você continua um tolo...”
Antes era uma brincadeira, mas a partir daquele momento, depois de longos anos, vindo de uma outra mulher, aquele “tolo” não lhe fora bem-vindo. Talvez agora, ela o usasse para lhe provocar ou lhe fazer ver o outro lado da realidade. Era um enigma!
Passou por ambos, no Taboleiro da Baiana – Atualmente Largo da Carioca – um bonde e ela atravessou a rua, deixando-o aturdido.
Por uns momentos achou que havia sonhado – por tanto anos desejando vê-la; por todos esse tempo de ausência – é que, nos seus sonhos a beijava no primeiro encontro... Mas, que nada. Ela tripudiou sobre sua pessoa, e, no interior do meu coração, lá, bem lá no fundo, num pequeno quarto que só ele sabia como abri-lo, de repente ela entrou, visitou suas lembranças e como um furacão, desarrumou tudo e saiu sem lhe pedir permissão. Era uma menina má... mas, que fazer... a amava, só que, ela não sabia!
Ai aconteceu. Três dias depois, não resistindo, sabendo-a tão perto dele, foi visitá-la. Já sabia o que poderia acontecer; encheu-se de coragem passando por cima do ceticismo que lhe espremia a todo instante. Olhou o andar, entrou no elevador e ao sair, foi alvo das atenções de alguns funcionários porque estava fardado. Mesmo assim, dirigiu-se a um balcão, falou ao recepcionista sobre a funcionária Marilena.
- O Senhor quer que a chame ou quer abrir aquela porta e anunciar-se?
- Por favor, prefiro esperá-la aqui. Quero falar-lhe!
Não demorou muito. Assim que o viu, sorriu. Chegou perto e ofereceu o rosto para que ele a beijasse e ficou surpresa quanto à sua recusa.
- Não quer me beijar?
- Quero, mas não aqui e não quero ouvir-te dizer que sou um “tolo”
Abriu-se-lhe outro sorriso e este, mais complacente. Os olhos também sorriram e ele sentiu o calor de seu corpo junto ao seu.
- E porque não aqui? Por acaso você tem uma namorada? Ela é mais bonita do que eu? - Provocava e sorria
- Não torne as coisas mais difíceis, Lena – Está próximo às cinco horas. Espero-te lá fora e não se faça de desentendida!
Ela se espantou com sua reação. Ai foi que ele percebeu que podia dominá-la. Era só posar-se de durão. Olhando-o assustada, completou:
- Ta bem Golber... espere-me!
Golber virou-lhe as costas e entrou no elevador que já o esperava com a porta aberta.
Assim que chegou a rua, passou o lenço de cambraia pela testa e encheu os pulmões de ar. Prendeu e depois soltou vagarosamente pela boca, tentando diminuir sua tensão nervosa.
Havia enfrentado de igual para igual a mulher que sempre lhe subestimava. De repente um tremor. - E se ela não aparecer? Ficaria ali, como um “tolo” como ela bem definia e até quando? Pensava deixando o panico tomar-lhe de assalto.
Mas as pessoas passavam, outros fumavam encostadas em paredes e outras permitiam que meninos engraxassem seus sapatos; e, de tão apreensivo que estava, não viu que o tempo havia passado depressa. Olhou para os lados, buscou informação sobre o horário e quando conseguiu saber as horas, olhou para o local em que ela deveria sair. Está na hora – pensou - viu muitos funcionários deixando o Prédio; sua tensão aumentou ainda mais. Dez minutos... Não passou mais que isso. Lá estava ela, parada, perlustrando os olhos. Assim a viu. A visão da mulher amada o enchera de satisfação.
Chegou perto e ela, de imediato reclamou estar com fome. Havia uma Lanchonete do outro lado da esquina. Acompanhando seus passos, chegaram e ela pediu a iguaria. Comeram como uns esfomeados. Ela, por estar com fome e ele, por precaução. Mas, que precaução? Perguntava-se e tentava responder ao que havia povoado sua pobre cabeça. Arriscando olhar para ela, a viu sorrir, como uma criança que acabara de receber um doce. Aquele sorriso, simples, discreto, avisava-lhe de que haviam quebrado os tabus. Já vasculhara antes, alguns hotéis e se entusiasmara com o da na rua Pedro Américo, não longe dali.
Depois que ela terminou, entram num ônibus que os levou até o Largo do Machado. Ela de nada reclamou. Seguiu-o como quem já havia feito aquele itinerário, com ele, várias vezes. Enquanto o ônibus trafegava, a olhava de rabo de molho... Seu rosto voltado para o lado de fora, seus cabelos lisos, presos com uma tiara no alto da cabeça dançavam ao sabor do vento. Desceram no Largo do Machado. Sentaram-se num banco e de repente a noite caiu depressa. Sentiu que sua cabeça encostara levemente ao seu ombro; e, aconteceu o primeiro beijo. Não aquele em que ela diria “tolo”... Mas, um, - porque não dizer – esfuziante nos lábios. Depois, outro e desta vez com a libido à flor da pele. Golber queria provar-lhe o quanto a amava... Queria saber também, até onde poderia ir aquela sua mansidão quanto aos beijos e se era possível ultrapassar a barreira do desconhecido. E foi com muito custo que saiu de sua boca o convite: “– Um lugar mais discreto; um... um Hotel!”
Pronunciara rapidamente pegando-a de surpresa. Ela ficou pensativa por uns instantes, depois, ao erguer o corpo, ficou de pé e deu um leve sorriso dando a entender que sim.
Não foi difícil. Caminharam como dois namorados, mas, calados, pois, em sua cabeça não sabia explicar o que se passava, mas, na dele, a emoção era dominadora. Estava ao lado da mulher dos seus sonhos, caminhando com ela, como outrora, nos tempo da juventude. Mas agora era diferente. Eram adultos e sabiam o que queriam.
Entraram no Hotel. Falou com o porteiro e este estendeu-lhe a chave. Viu que era o quarto vinte e seis e que, enquanto subiam as escadas, de tão suada sua mão, a chave e a placa com o número quase deslisavam. Ao abrir a porta do quarto ela entrou primeiro e a seguir o abraçou carinhosamente. Estava fria, talvez de nervoso. Beijou-a e logo aconteceu... Tudo foi tão maravilhoso; tudo lhe pareceu um sonho... ali, sobre a cama, sua namorada, agora, sua mulher!
Duas horas depois, ela revelou que morava ali por perto. Na Rua das Laranjeiras em um prédio recém construído. Havia comprado o Apartamento ainda na construção. Com razão. Ela ganhava bem e isso a tornava caprichosa. Conversaram mais um pouco sob o lençol relembrando a juventude e quando ele argumentou sobre o tempo perdido, ela redarguiu discordando sobre o assunto.
"- Não acho que houve “um tempo perdido!” A separação foi uma consequência desastrosa em nossas vidas, porém, não posso reclamar sobre minha ascensão. Serviu para nos deixar mais adultos!"

Depois de filosofar, ergueu o dorso do corpo, fez menção em se levantar da cama e disse: Quero ir embora.
O pedido o pegara de surpresa. Pensou que passariam a noite naquele quarto e no entanto... Vestiram as roupas e desceram. Não soube discernir a súbita atitude de quem acabara de fazer amor com ele nem porque ficara muda de repente. Na rua, exigiu um táxi e ao entrar, além de não lhe permitir beijá-la, também que não a acompanhasse. Golber não relutou.
Dias depois, telefonou para a sua repartição e a chamou. Não atendeu de imediato. Mandou que ele ligasse depois. Ligou. Não atendeu. Ligou e assim que atendeu, desculpou-se evitando o convite para outro encontro, mas que ligasse outro dia.
Golber morava no Bairro Camarista Meier. Alugara um quarto, pois, frequentava a Escola à noite. Quando dispunha de tempo, assistia as aulas e não era sempre que podia. Se por razões alheias à sua vontade deixava de assistir as aulas, o que faria quando pudesse assisti-la mas pretendendo vê-la? E pensando assim, quando tinha oportunidade não a via e quando ela queria lhe ver, era ele que não podia perder as aulas. Tudo aquilo o deixava intranquilo. Temia perdê-la.
Um dia, a seguiu. Ela tomou um ônibus e desceu num ponto da rua das Laranjeiras. Entrou no Prédio e ficou sabendo onde morava. Outras vezes telefonou e ela sempre aceitava os encontros. Dava a entender de que ele, somente ele a possuía, porém, um dia, quando ele apareceu de surpresa na saída do Prédio, ela estava com duas amigas e três rapazes. Sorrindo lhe disse que não poderia deixar os amigos, posto que, já havia combinado sair com eles antes da sua chegada. Golber ficou de pé, vendo-a entrar num carro de luxo e seguir em frente, com os amigos. Aquela sua atitude o fez ficar triste. Talvez nem fosse a lugar algum, mas para se mostrar a tal, fez aquilo. Com raiva do acontecido, pegou um táxi e a seguiu. Quando viu o carro entrar na Garagem do prédio, certificou-se de imediato, de que ela havia pregado uma peça nele, só para vê-lo triste. Depois daquele encontro, percebeu que ela não o amava – ou, se o amava, se dispunha a ficar com ele apenas para o seu deleite. Mesmo assim, ele queria ficar perto dela, sofrendo. Tiveram outros encontros, mas, ficou sabendo por sua própria boca, de que sempre viajava aos sábados para a Região dos Lagos e passava os finais de semana numa praia. Mas não lhe disse qual. Aquilo foi como uma espada de dois gumes transpassando-lhe o coração. O que faziam? Muito difícil a pergunta e  caso alguem a saubesse, ele não queria ouvir a resposta de quem quer que fosse. Enquanto isso, na composição de Carlos Imperial, na voz de Roni Von, alguém “acordava com saudades de alguém; beijava a rosa amarela; escrevia nomes nas árvores com  o canivete...” e ele, sendo desdenhado logo por quem só o queria por alguns momentos de felicidade! 
Pretendendo se casar com ela, enfrentava as adversidades porque ela queria um belo apartamento e só quem lhe podia dar tanto luxo era um pretendente que morava em Mato Grosso, do mesmo ramo, e, que seria transferido para o Rio. Mas nem ele vinha nem ela se casava com Golber, alegando que ele morava num conjugado no Meier; que ganhava pouco e que no futuro, seriam um casal que comeriam amor na hora do almoço e um prato de amor na hora do jantar. Falava sem somar as circunstâncias do seu sentimento. Não era bem assim, mas, para ela, tudo girava em torno de um luxo que ela esperava e que não vinha.
Então, um dia lhe perguntou:
- Como é que você faz amor comigo, Lena? Era como a chamava desde a juventude.
- É porque só você me satisfaz, Golber! Mas você é pobre e eu sou rica... Falou assim. Sem pestanejar. Parecia que estava preparada para responder  a pergunta. Tal qual a menina rica do Romance do Escritor F Scott Fitzgerald “O Grande Gatsby -  Que, Num trecho da História, ele indaga veementemente sobre o porquê, outrora, não se casara com ele e ela, lhe responde entre prantos:

“Meninas ricas não se casam com rapazes pobres, Gatsby!”

Era o seu caso. Mas, em se tratando dela, se, jamais uma esposa, senão apenas para o seu deleite, porque não?
Sabia ser contundente quando queria, e, ser amável a seguir. Desdenhava-o a todo instante, no entanto, ao subir na cama exigia que a fizesse feliz.
Golber começou a se preocupar com sua situação de solteiro. Era um homem do lar, voltado para a família e queria constituir a sua. Deveria se casar, ter uma esposa mesmo que não fosse ela - Pensava - Havia uma enfermeira no seu Hospital, que, cuidara dele quando de sua internação. Ficara oito dias internado. Oito dias pensando nela e essa enfermeira, muito dedicada, passava os dias visitando-o na enfermaria, sempre que podia. Afeiçoara-se a sua dedicação. Era delicada, simples, cortês, sem nenhuma pretensão ao luxo e sua presença, além de lhe trazer alívio ao coração, lhe fazia bem. Solteira, com vinte e cinco anos, sem se importar com um homem que já beirava os trinta e quatro anos. Nessa época, Golber já havia passado seis meses na Escola de Formação para Sargentos e ao voltar, foi operado da vesícula.
Quando deixou o Hospital, ensaiou uns encontros com a enfermeira. É claro que rolou algo de inexplicável entre os dois. Mas, quem pode substituir alguém como Lena? Mesmo sabendo que ela se desmanchava em interesses por esse a quem ela já havia garfado, sem se casar, é claro, ele continuava a se encontrar com ela, a se alimentar dos sonhos em tê-la em sua vida um dia e se partia em dois, sendo que para uma, ele era um joguete e para a outra, a oportunidade de ter uma família de verdade. Vivia se condenando e se perdoando ao mesmo tempo.
Um ano de encontros e desencontros. Outro mais e, um dia, numa segunda feira, antes de adentrar ao Quartel da Rua Barão de Mesquita, - sexto Batalhão – Tijuca, soube da notícia por um dos seus amigos de farda:
- Sargento Golber... Chamou e completou – Um parente de sua namorada telefonou. Disse para você ir vê-la no Hospital!
Golber tomou um susto. Primeiro telefonou para a repartição de Marilena. Ninguém soube dizer o porquê ela havia faltado aquele dia. Depois, recebeu outro telefonema – era seu Pai. Tomou outro susto, pois, até então, jamais se prestara a falar com ele. Porquê agora? Tomou o telefone das mãos do seu amigo e pensou muito sobre o que estaria acontecendo com a mulher de sua vida – Meu Deus!
- Alô! - Quem fala?
- Golber? - Perguntou ele afobadamente.
- Sim! Pode falar, sou eu!
- É sobre Marilena, Golber.... Sofreu um acidente na Avenida Brasil!
- Onde ela está?
- No Hospital Souza Aguiar. Respondeu de imediato, muito nervoso.
- Fique calmo! Estou indo para la sem demora!
Pegou um ônibus, fardado, cansado, apreensivo quanto ao que poderia ver, sem saber como falar com seu Pai, já que ele era um homem metido a besta e que nunca permitira sua presença ao lado da filha...
Quando chegou, sua mãe já o aguardava à frente do Hospital. Chorava muito e logo pensou no pior. Depois, sentiu a presença de seu pai por detrás dele. Virou-se e viu em seu rosto motivos de preocupações e seu alívio ao vê-lo:
- Graças a Deus, Golber, você veio! Ela está no CTI; sofreram um desastre e só ela escapou. Os médicos estão fazendo de tudo para salvá-la. Uma das costelas perfurou o pulmão e a face está irreconhecível.
Olhando para quem até então gratuitamente o detestava, o viu abaixar a cabeça e chorar. Condoído de sua aflição, o consolou com palavras de encorajamento.
Deveria voltar ao Quartel. Não sabia o que fazer. Ficar, de nada adiantava. Não conseguiria vê-la por mais que tentasse convencer a direção. Estava sendo operada e exigia cuidados.
Voltou ao Quartel, terminou o expediente, retornou ao Hospital e soube que ainda estavam tentando salvá-la.
No outro dia, amanheceu na porta do prédio em que chegara no dia anterior. Não foi trabalhar. Ficou sabendo de sua resistência. Era jovem... Rezou muito pela recuperação de sua saúde. Ainda estava no CTI. Dois dias depois, removeram-na para uma enfermaria. O Pai já conversava com quem até então nunca trocara uma palavra. Golber lhe respondia e tentava se lembrar da última vez que falara com ele. Não conseguia porque nunca havia trocado sequer uma palavra com ele. Porém, levava em consideração sobre seu estado emocional por razões óbvias, é claro. Sua mãe, mais maleável, sorria pelo pronto restabelecimento de sua filha. Por alto, soubera que a face não era a mesma. Estava muito comprometida. Haviam raspado metade de seu crânio; as pernas, não se moviam. O desastre comprometera e muito sua espinha dorsal. Irreversível... – disse-lhe o médico, sabendo ser ele um membro fora da família, e, completou – mas poderá andar em cadeira de rodas!
As palavras, quase o deixara  louco  enquanto  que, seus Pais, não sabiam nada sobre esse fato novo. Apenas que,  havia sido operada... A mãe ao ouvir, caiu em prantos. O pai entrando em desespero pelo relato inconveniente do médico, saiu de perto e sem direção, ao atravessar a rua, descontrolado, não viu que uma lotação vinha em sentido contrário. O baque fatal o levantara acima do asfalto. Só os pneus agarrados ao chão deixou um chiado estremecedor. Juntou muita gente e quem primeiro o acudiu, levou seus documentos e pertences. Passaram-se três dias. Golber o procurou por toda a parte deixando por último o IML. E foi lá que o encontrou dois dias depois do acidente. Como foi, quando foi, nada se sabia, até que sua esposa foi levada por ele para reconhecê-lo. Mas, não entrou. Ele mesmo subiu e fez o reconhecimento. Acertaram tudo e o enterraram a seguir. A mãe estava abalada; apenas a presença de Golber a confortava. Após o enterro, a levou ao Apartamento de Lena. Foi assim que ao entrar pela primeira vez naquele recinto, ficou sabendo o porquê do acidente. Havia bebidas de várias espécies sobre um carrinho de luxo. Cigarros que ela fumava da marca Hollywood e que ele não sabia. Para sua mãe, foi um espanto. Era uma santa, porém, longe de todos da família e de Golber, só Deus sabia o que fazia!
Estabeleceram uma escala de plantão ao lado da cabeceira de Lena. Quando ele podia, ficava por toda a noite e deixava a mãe descansar. Assim, passaram-se os meses e foram três operações sobre a estética e recuperação do rosto. Continuou lindo como era, mas, pouco mastigava. Bebia sopas e caldos. Um dia, lhe pediu que a levasse para o apartamento, como se lá a aguardasse o milagre da recuperação. Tudo acertado com o médico - e já não era sem tempo - a levou. Golber era forte, praticava exercícios e podia carregá-la no colo. Ela, havia emagrecido, mas, não a ponto de causar preocupações. Tudo voltava ao normal gradativamente. O Condomínio estava atrasado e o porteiro, dias depois, vendo-a ser transferida em seus braços para um táxi, confidenciou-lhe sobre a conduta da menina no Prédio.
“- Coitada!” Primeiro condoeu-se com solidárias palavras, depois, baixou o pau: “- Era muito esvoaçante, saia quase sempre as sextas feiras e voltava no raiar do dia de sábado, bêbada, sempre arrastando dois ou três para o seu apartamento.”
Desculpava-se vez em quando mas falava e mostrava seu carro na garagem. “ - O do acidente, - dizia ele, apontando para o carro dela - que fora dirigido por seu namorado rico:  que nada sobrara e  que os dois ocupantes que estavam na parte de traz mais o motorista, haviam morrido. Dentro do carro, duas garrafas de Uísque e cigarros de maconha registrados pela Polícia!”
Golber já sabia de tudo, mas, deixou que ele falasse. Depois, juntou todas as joias de sua propriedade e as vendeu para pagar o Condomínio atrasado. Passou a morar com ela depois que sua mãe a deixou, voltando para sua antiga residência, em sua Cidade Natal. Queixava-se de estar longe dos familiares – irmãs e irmãos bem como os sobrinhos – e que não via razões de estar ali, junto dos dois. Ele não fez objeções.
Os meses se passaram. Uma Senhora foi contratada para, além dos afazeres da casa, proceder quanto as suas refeições diárias. À noite, Golber voltava e assumia, entre outras tarefas o cuidado de sua higiene. Ela começou a falar com mais clareza. Aos domingos, ele a levava até o Aterro do Flamengo e por lá ficavam um bom tempo apreciando os contornos pitorescos e vendo as pessoas que visitavam o Parque. Ela sorria e lhe pedia para levá-la até o mar. Passou a carregá-la no colo, de biquíni, até à beira das águas. Ela sorria e se sentia feliz. Sua vontade era de visitar a Quinta da Boa Vista no dia das crianças; para tanto, nem precisou pedir-lhe. Levara-a sem pestanejar. Queria visitar a orla da praia de Copacabana, lá ia ele, levando-a na cadeira de rodas e por lá ficavam até o anoitecer. Um dia, pediu-lhe em casamento. Assim, sem muitos rodeios. Golber até pensou que ela estivesse delirando. Mas não. Aceitou e dois meses depois, eram abençoados pelo Juiz de Paz. Depois, levou-a ao altar e o Padre os abençoou.
Passaram a viajar para longe quando ele podia, e, vez em quando, aos domingos, leva-a à missa no Largo do Machado. As vezes, lá iam eles ao cinema mais perto, mas foi na Cinelândia que eles assistiram ao filme do Super Homem. Assim durou a doce união com ela, por dois anos.
No mesmo andar em que moravam, ele sempre se encontrava com uma Senhora que o cumprimentava ao entrarem no elevador. Ela sabia sobre sua pessoa e com quem morava. Tantos foram os coincidentes encontros que passaram, da conversa a uma esticada até ao apartamento dela. Ele sabia que aquilo era uma traição, mas, Lena não mais conseguia sentir desejos, tampouco nenhum interesse pelo que se passava ao seu redor. Sair, passear de carro, ir ao cinema... Nada mais lhe interessava. Ficou triste e apenas chorava. Muito depressiva, até evitava dormir com o marido. Então, precisou do auxílio mais direto da Senhora que a atendia, a qual passou a morar no Apartamento. Para tanto, sua cama fora transferida para o mesmo quarto e ela exigia que a porta fosse trancada. Só a via pela manhã, e olhe lá! Assim que adormecia, deixava o apartamento e lá ia ele visitar a amiga viúva. Era uma mulher capacitada, dona de si e que trabalhava na Corregedoria do Estado. Não se preocupava com a situação; dava-lhe apoio e o elogiava pela solidariedade à pessoa com quem ele vivia.
Um dia, estando trabalhando, Golber recebeu um telefonema da senhora que lhes atendia. Quando chegou, ela estava muito morna. Apresentava um estado febril; preocupado, levou-a ao Hospital. Fez vários exames e outra vez Golber se encontrou com a criaturinha que havia deixado para trás após o acidente da esposa. Agora, estava casada com um Enfermeiro.
Passara três dias internada, após o que, deixou o Hospital na esperança de receber em sua casa, o milagre de que tanto esperava. A pronta recuperação... Claro que, quem está num hospital, quer voltar para casa e assim que voltou, dois dias depois, teve um mal súbito e faleceu.
Foi assim... Tudo terminou assim! Logo depois de sua morte, Golber achou por bem casar-se com a viúva. Tiveram uma filha e lá se vão mais de trinta anos!

“O destino brinca conosco...” Comenta o historiador - Quem dera pudéssemos prever o futuro!
Com Golber, não foi diferente! Sua presença na vida dela foi determinada desde a infância, justamente para lhe dar apoio nas horas mais amargas de sua vida!

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Solano Brum
Enviado por Solano Brum em 11/02/2017
Alterado em 05/12/2022
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